No ano que se passou, mesmo com a economia nacional sendo violentamente assolada pela pandemia, as exportações do agronegócio garantiram, novamente, que a balança comercial voltasse a registrar superávit notável. Conforme dados compilados pela Secretaria de Comércio Exterior, do Ministério da Economia, o saldo comercial de US$ 50,99 bilhões é 6,2% maior do que o de 2019.
No segundo semestre de 2020, foram movimentadas pelo setor portuário brasileiro 286,4 milhões de toneladas – crescimento de 7,9% em relação ao mesmo período de 2019, de acordo com dados do Boletim Informativo Aquaviário da ANTAQ.O balanço positivo foi acompanhado pelo bom desempenho do Ministério da Infraestrutura que, com o leilão de quatro terminais portuários, conseguiu arrecadar 87,5 milhões em outorgas, com expectativa de R$ 400 milhões em investimentos – destacando-se na comparação com o restante da máquina pública. Contudo, ainda existem problemas atávicos, verdadeiras amarras, que impedem o País de funcionar a todo vapor.
Atualmente, exportadores e importadores têm acionado o Poder Judiciário em face da tarifa cobrada por terminais portuários para o escaneamento de cargas – inspeção não invasiva determinada pela Receita Federal – que começou a ser cobrada em 2012 e tem pesado no bolso dos players do setor.
A celeuma se dá, na medida em que surgem decisões contraditórias sobre a mesma matéria, em diferentes Estados, colocando as empresas em situação de incerteza. O posicionamento favorável à cobrança da tarifa sustenta-se na Portaria nº 3.518/2011, da Receita Federal, que determina que a aquisição, manutenção e operação de escâneres é de responsabilidade dos próprios recintos ou locais alfandegados – o que levaria os terminais a tarifar o serviço, sob pena de desequilíbrio dos contratos de concessão.
Em contrapartida, existem, também, decisões judiciais considerando a referida tarifa como ilegal, determinando, inclusive, ressarcimento dos últimos cinco anos. Esta corrente entende que a cobrança somente poderia ocorrer, se fosse estabelecida por lei.
Uma análise pragmática demonstra que, no Nordeste, existem decisões favoráveis às empresas para o afastamento da cobrança, ao passo que em estados como São Paulo e Espírito Santo, as decisões tem sido contrárias – fato que traz a lume a prejudicialidade do custo Brasil, consequência de um sistema tributário complexo, excesso de burocracia, gargalos logísticos e insegurança jurídica – sem falar na estimativa espantosa de que ele seja responsável por drenar 1,5 trilhão por ano do setor empresarial, representando nada menos que 22% do PIB. O resultado disso é o aumento no preço dos produtos e serviços, prejudicando o consumidor final.
É compreensível que o cumprimento de exigências impostas pela Receita Federal aos terminais portuários – dentre elas a disponibilização de equipamentos de inspeção não invasiva de cargas – traga despesas. Todavia, os investimentos necessários à remuneração da compra e manutenção de equipamentos devem ser de atribuição do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (FUNDAF), fonte legal de custeio da atividade fiscalizatória, e não dos usuários, já acossados pelo excesso de burocracia e impostos exorbitantes que inviabilizam a atividade empresarial.
Em um cenário de decisões conflitantes, é imperioso que o Poder Judiciário uniformize sua jurisprudência, trazendo previsibilidade para suas decisões e garantindo celeridade na solução de litígios.
Em se tratando de um setor tão relevante para a balança comercial, não podemos ter um panorama em que existam praticamente dois países no mesmo território, com interpretações distintas para uma mesma matéria, prejudicando as empresas nacionais no momento em que mais precisam do auxílio das instituições públicas para continuarem operando. A segurança jurídica é fundamental ao direito e à sociedade, pois, sem ela, ordem e certeza transformam-se em arbítrio.
Stéfano Ribeiro Ferri
Sócio do escritório Ortiz & Ferri Advogados
Pós-graduando em Direito Corporativo pelo Ibmec